“A única portuguesa”

“A única portuguesa”

 

“Brasileira?”.. “Brasil?” Ao fim de quase 4 meses de viagem, aquilo que inicialmente podia ser engraçado deixa de o ser, o sorriso espontâneo dá lugar ao sorriso amarelo e a voz exasperada já só entoa apenas um “não, portuguesa.. de Portugal”.

Não encontro portugueses a viajar. Repito, não encontro portugueses a viajar. Sou “a única portuguesa”, como tanta gente faz questão de confirmar quando se cruza comigo e, após dois dedos de conversa, trocamos nacionalidades. É uma frase curta mas com um peso enorme. E, novamente aquilo que inicialmente poderia ser curioso dá lugar à perplexidade, à diminuição, a uma pequena autocomiseração.

Atravesso o Atacama em direcção a Uyuni e na imensidão do seu salar deparo-me com uma ilha de bandeiras. Saio do jipe animadíssima, quero pegar na minha com orgulho e mostrá-la a todos. Mas não há bandeira portuguesa na ilha das bandeiras.

Hoje escrevo este texto da Bolívia. Nestes 110 dias de viagem já passei pelos Estados Unidos (será que podemos mesmo considerar o Hawaii como um estado americano?..), pelo Uruguai, Argentina, Chile e Bolívia. Tenho-me cruzado sobretudo com australianos e israelitas, seguindo-se europeus no geral e sobretudo provenientes de França, Alemanha ou Reino Unido. Em menor número espanhóis, em “quase número nenhum” norte americanos.

Não há portugueses a viajar. O que nos aconteceu, povo descobridor do mundo, capitães da liberdade, poetas dos mares do séc. XV e XVI? Tento, a custo, encontrar uma explicação… não porque seja um “custo” sabê-la, mas porque custa admiti-la. Chego à conclusão de que, contrariamente aos outros países, não temos condições financeiras ou uma cultura que o permita fazer. E, para mim, estas são as razões mais plausíveis. Não é fácil largar tudo e ir viajar, embora não seja impossível. As condições socio-económicas do nosso país não ajudam, os parcos ordenados não o possibilitam. O nosso rendimento médio está ao nível do mínimo em muitos dos países que citei acima. O custo de vida na América do Sul chega a ser absurdamente igual ou superior ao nosso. Simultaneamente, ainda não há em Portugal uma política empresarial que motive ou fomente experiências no exterior, seja através de estágios, intercâmbios ou licenças sabáticas. No meu caso tive a feliz possibilidade de, dentro da minha formação, ter acesso às duas primeiras opções e, resultado da minha decisão em partir, de ver as portas abertas a uma licença.

Quero ver portugueses a viajar. Quero saber que conhecemos bem o nosso país, mas também que temos coragem de voltar a ir além fronteiras, de cruzar oceanos, de desbravar o desconhecido. Sozinhos ou acompanhados, com ou sem agências. Mas vamos. Façamo-nos à estrada. Porque podemos sempre encontrar um trabalho alternativo, conseguir algum dinheiro… mas a idade e a saúde, essas nunca nos serão devolvidas com o passar dos anos. E a única coisa que fica são as memórias e as experiências que as criaram. Abracem o mundo. E deixem que ele vos abrace.

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