As Missões Jesuítas de Chiquitos, uma província boliviana, representam a tentativa dos jesuítas dos séc. XVII e XVIII em converter os indígenas sul-americanos ao Cristianismo, através de uma mistura de elementos e influências europeias e nativas. Seis das suas terras são hoje património mundial da UNESCO, encontrando-se ainda muito bem preservadas. Estas 4 missões foram alvo do grande projecto de reabilitação do jesuita suíço Hans Roth, que terminou em 1996.
St. Ignacio de Velasquez
O autocarro nocturno dá o solavanco final ao chegar a Sto Ignacio de Velasquez, cerca de 10 horas após ter partido da caótica cidade de Santa Cruz de la Sierra. Consigo deixar a mochila maior junto do estabelecimento da senhora que cobra a entrada nas casas de banho e apanho um moto-taxi (o transporte mais comum nestas zonas, 5 bolivianos) para o centro da cidade.
Ainda não são 6 da manhã e a cidade está praticamente vazia. No mercado, descubro uma banca já aberta e tomo o pequeno almoço, um batido de banana e um pão com ovo e tomate por não mais que 9 bolivianos (1 euro). Aos poucos, a cidade vai ganhando vida, à medida que mais motas começam a percorrer as estradas e as crianças se encaminham, de traje branco e azul, para as escolas.
Esta é a minha primeira paragem no circuito das missões jesuítas. Não sendo religiosa, estas terras a este da Bolívia – praticamente na fronteira com o Brasil – são imperdíveis embora ainda sejam pouco comuns no circuito turístico. Representam um conjunto de vilas desenvolvidas pelos missionários jesuítas no séc.XVII e XVIII para processo de evangelização dos indígenas. Património da UNESCO, são das igrejas mais bem conservadas desse período.
Por toda a cidade são visíveis traços que distinguem de todas as outras terras encontradas anteriormente. As casas baixas têm as suas janelas adornadas com motivos florais ou padrões mais ou menos geométricos, sendo a nota única dada pelas enormes colunas de madeira escura, por vezes trabalhada, que sustentam os seus telhados de telha. As principais ruas convergem para a praça central, enorme, bem cuidada e limpa, numa das extremidades da qual surge finalmente a igreja. Consigo entrar pelas 8h da manhã, a primeira visitante do dia, e fico imediatamente sem fala. Uma igreja lindíssima, de grossas colunas de madeira pesada que convergem para um tecto inclinado e ao fundo um belíssimo altar dourado. É uma igreja simples no sentido em que não ostenta opulência, mas imponente e rica ao mesmo tempo. O verdadeiro significado do que deveria ser a Igreja, aqui numa terra do extremo da Bolívia.
San Miguel
Próximo do mercado, o “micro” leva-me por 12 bolivianos e ao longo de 40 minutos até à próxima missão, San Miguel. Parando na praça central que está a sofrer obras de melhoria, encontro a igreja fechada. Perguntando porta a porta, consigo chegar até à casa de Don Carmelo, onde a sua esposa tem a simpatia de lhe telefonar para que me possa abrir a igreja. Encontramo-nos à porta de um dos acessos e tenho direito a uma visita privada, uma vez que os turistas aqui são escassos e quando vêm fazem-no em grupos. É uma igreja de 1750, com painéis e parte do altar restaurados em 1980. Deriva directamente da igreja de S.Rafael, sendo considerado um prolongamento a esta devido ao aumento da população desta última região.
San Rafael
San Rafael é um vilarejo pequeno, mais pobre que as anteriores. As casas são de pedra, pintadas em faixa de 2 cores, e as suas colunas já são de pedra à excepção das da praça central, mais organizada que em San Miguel. A igreja encontrava-se fechada pelo que não foi possível observar o seu interior. Ao lado, a torre do campanário, toda ela em madeira, tem 4 sinos em bronze. Os trajes dos alunos são aqui batas brancas ao invés do conjunto azul e branco.
A sua missão foi a segunda a ser construída e data de 1695, tendo sido por vezes movida devido a epidemias locais e incêndios.
Concépcion
São 18:30h quando chego à última das aldeias que me propus visitar, Concepcion. Com receio de encontrar também esta igreja fechada, peço um novo moto-táxi que me leva até à praça central, mesmo em frente à igreja. Por sorte, e indo ao encontro do que já me tinha sido dito nas visitas anteriores, encontro não só a igreja aberta como a missa das 19h prestes a começar.
Concépcion é, em termos de desenvolvimento, equivalente a St. Ignacio. A sua missão foi a 4ª a ser edíficada, datando de 1752. Chegou na altura a ser habitada por um dos maiores grupos indígenas locais, os Guaranis. Recupera novamente as fachadas com estampas florais, as colunas de madeira trabalhadas, a organização e algum comércio interessante. A igreja é mais distinta das anteriores, a sua nave central levando a um enorme altar em ouro e tons avermelhados.
Janto pelas 19:30h, após comprar bilhete de regresso a Santa Cruz. Opto pelo mais tardio de todos, o das 23h, na esperança de poder passar mais uma noite em “navegação” e assim não ter de me preocupar (e perder tempo + dinheiro) num alojamento para meia dúzia de horas. Cansada e suja do pó da terra, da correria e dos vários autocarros, entro num restaurante da esquina da praça, onde após ter ido à casa de banho – e me ter apercebido que o estabelecimento tem continuidade com a casa da família – arranjo coragem para pedir (e tomar!) um duche que me faz maravilhas. Conversa puxa conversa – e muito também devido aos dois filhos do casal, Josué e Jonas – acabamos por passar um serão agradável a trocar fotografias, experiências e contactos, ficando também a saber que o Sr. Vieira é de longínqua ascendência portuguesa.