Crónicas de um voluntariado em Beirut (V)
- Sobre o trabalho de campo -
Quem acompanhou as stories em tempo real durante a minha estadia em Beirut apercebeu-se de que não vinha com qualquer plano delineado. Tinha a minha cédula profissional e isso bastava-me, o resto logo se via.
No 1o dia passei por várias ambulâncias e fui-me apresentando e perguntando se precisavam de uma mão extra. E embora nas primeiras horas não tenha sido necessário, a situação mudou com o avançar da tarde e o agravamento dos conflitos. Comecei a (tentar) ajudar nas ambulâncias, tendo sido eu própria por 2-3x apanhada pelo gás lacrimogéneo – o que de divertido não tem nada. Avaliei feridos, fiz curativos rápidos, ajudei nos transportes.
Se ia apenas para ser médica, percebi que tinha “jogo de cintura” para muito mais – e, aqui, entra a minha experiência em viajar sozinha pelo mundo. Contacto puxa contacto, comecei a ser recebida nos hospitais. Vi os espaços destruídos, tomei consciência das necessidades e comecei a fazer doações ainda com os dólares que tinha levado de Portugal. Discuti preços com fornecedores e tentei comparar preços entre estes e as farmácias locais, por forma a conseguir os valores mais baixos possivel num dos paises com maior inflação do mundo. Contei todo o material que levei doado de Portugal e dividi o melhor que soube.
Na rua conheci as equipas da Cruz Vermelha, dos MSF e da Caritas, mas foi com a Inara que me identifiquei. Uma tenda num dos bairros mais destruídos da cidade, com sol a pique e 33° à sombra, foi a resposta para mais de 700 feridos em apenas 10 dias – e continua a contar. Praticamente só voluntários… incansáveis no tratamento de feridas com as limitações de material que ja conhecemos. Ensinei os estudantes de medicina a suturar, mas aprendi muito mais do que dei. Inara significa (e bem!) Iluminação.
Sem dinheiro, vi-me com transferências bancárias bloqueadas, dias perdidos em burocracias, confusões para levantar e trocar dólares. Oscilações diárias do valor da libra libanesa e a sensação de que tanto dinheiro afinal valia tão pouco.
Pelo meio, desdobrei-me em entrevistas para a comunicação social e angariei graças a vocês cerca de 8 mil euros em donativos.
No final, fiz muito mais que medicina.