COVID-19: é mesmo preciso ter medo?

Última actualização: 18 Março

Desde o final de 2019 que a comunicação social não fala de outra coisa (e de outra coisa não se fala em todos os cafés e paragens), o novo e temido “Coronavírus” – COVID-19 – mas afinal, é mesmo preciso ter medo?

              Como médica e adepta de todo o tipo de viagens (e ainda para mais fazendo Consulta do Viajante Online), este assunto tem-me sido por diversas vezes colocado. É perigoso? O que podemos fazer? Devemos manter ou cancelar as nossas viagens?             

A propósito deste tema fui convidada esta semana pela Elsa Lisboa, do Blog Viagens e Miúdos, para a gravação de um Podcast dedicado ao Coronavírus. Partilho então agora convosco, de forma escrita, aspectos essenciais sobre o que é, como se propaga e como nos podemos proteger.

Coronavírus - é mesmo preciso ter medo?
O novo coronavírus COVID-19 anda (literalmente) nas bocas do mundo desde Dezembro 2019

O que é o Coronavírus?

Na verdade o Coronavírus já é bastante conhecido na comunidade médica, nomeadamente como agente causador de doenças respiratórias. A infecção provocada pode ser ligeira (muito semelhante a uma gripe comum) ou apresentar sintomas moderados e evoluir para pneumonia. Nos casos mais graves poderá desencadear quadros de insuficiência respiratória.

E esta nova estirpe, o COVID-19?

O COVID-19 foi identificado pela primeira vez no final de 2019, após surgimento no mercado de Whuan, Província de Hubei (China). O invulgar foi o facto de ter como ponto de partida num animal (ainda não definido em concreto qual) e ter supostamente sofrido uma mutação que lhe permitiu a transmissão para e entre humanos.

Por coincidência em termos de datas com a proximidade do Ano Novo Chinês, evento que mobiliza milhões de pessoas, foram rapidamente implementadas medidas de tentativa de contenção do surto numa cidade que tem tantos habitantes quanto Portugal inteiro.

Quais os sintomas associados ao COVID-19?

Na verdade, a maior parte dos casos serão assintomáticos ou irão traduzir-se somente em sintomas leves: febre, tosse e eventualmente dificuldade respiratória. Em populações muito restritas (nomeadamente idosos já com situações de risco), pode evoluir para pneumonia, insuficiência respiratória e, eventualmente, falência multiorgânica e morte.

Como se transmite? E qual o período de incubação?

Até ao momento sabe-se que a transmissão ocorre por emissão de gotículas provenientes de tosse e espirros de pessoas infectadas. Está também demonstrada a transmissão por intermédio de superfícies inertes, uma vez que o vírus permanece “activo” nestas superficíes até cerca de 5 dias dependendo do material. Com o nascimento dos primeiros bebés de grávidas infectadas, estamos agora a tentar perceber se haverá ou não transmissão vertical. Não há evidência de que animais domésticos (cães, gatos…) possam ser transmissores.

Estima-se também que o período de incubação possa ser de, em média, 14 dias – números que ainda se encontram também em estudo.

O COVID-19 transmite-se pelo contacto com partículas infectadas das secreções respiratórias (tosse, espirros…)

Estamos a falar de um vírus perigoso?…

A avaliação de perigosidade implica pensarmos em vários conceitos em simultâneo: potencial de transmissão, taxa de mortalidade e – de certo modo – da capacidade de resposta do próprio país/ comunidade.

1. Potencial de transmissão

De acordo com dados da OMS, a taxa de transmissão do novo COVID-19 está estimada em 1,5-2,5 (ou seja, um indivíduo a poder contagiar em média até 2,5 pessoas). Contudo em alguns estudos, estes valor chega a 4 pessoas. Comparativamente à taxa de transmissão do Influenza (o principal agente da gripe), este é de 1,3. Como podemos ver, estamos a falar de um potencial de transmissão ligeiramente superior no caso do COVID-19.

2. Taxa de mortalidade

A taxa de mortalidade reflecte o número de mortes ocorridas sobre o número de casos diagnosticados. Traduz por isso a probabilidade de uma pessoa infectada poder morrer devido ao vírus. Contudo, os “casos diagnosticados” têm apenas por base os casos confirmados (escapando assim para este cálculo os casos assintomáticos e ou que apresentam doença ligeira, facilmente confundida com a provocada por outras entidades). Em termos numéricos, neste momento crê-se que a taxa de mortalidade possa por isso ser muito inferior ao inicialmente estimado, situando-se em 0,7% (ou seja, 7 casos por 1000 pessoas), ao contrário dos 3% inicialmente apontados e aproximando-se dos números da taxa de mortalidade da “gripe” (0,13%).

3. Capacidade de resposta

O grande problema prende-se contudo com a capacidade de resposta (nacional/ internacional) face à ocorrência de um elevado número de casos em simultâneo. A Europa é um continente tendencialmente envelhecido, pelo que mesmo com uma taxa de mortalidade reduzida poderão ser esperados muitos casos de infeccção junto das populações mais idosas ou somente mais vulnerváveis (doentes crónicos e imunodeprimidos por exemplo).

À luz do que se conhece, as situações moderadas a graves poderão necessitar de equipas multidisciplinares, ventilação assistida, oxigenação extra-corpórea e outros cuidados – algo para o qual os nossos serviços de saúde aparentam não estar preparados a grande escala – e, nomeadamente, se esta afluência ocorrer toda na mesma altura. Em Itália, 10% dos casos de infecção necessitaram de internamento em Unidade de Cuidados Intensivos.

Considerando o tempo médio de doença, internamentos com 2 ou mais semanas implicam uma logística em termos humanos e de equipamentos que se prevê complicada de gerir – e daí a grande necessidade de conteção de casos.

E em relação às idades?

              Curiosamente (ou talvez não), não há casos de mortalidade associada abaixo dos 9 anos. Até aos 39 anos a mortalidade mantém-se estável (2 casos por 1000 ocorrências), assistindo-se depois a um aumento significativo entre os 50 e 59 anos e assim sucessivamente (quase em duplicação).

A faixa etária onde se têm registado mais casos de morte (15 por 100 indivíduos acima dos 80 anos) não é ainda assim linear: de facto, 75% destes idosos apresentavam também doenças concomitantes: diabetes, doenças cardiovasculares ou doenças respiratórias crónicas. Ou seja, mesmo na faixa etária mais elevada, somente 25% dos idosos faleceram de causa directamente relacionada com o novo COVID.

A taxa de mortalidade aumenta com a idade e é mais significativa acima dos 80 anos, situando-se nos 14,8%

Como nos podemos proteger?

Como em todas as doenças respiratórias, a medida mais importante é o reforço das medidas de higiene e de etiqueta respiratória. Juntamente com o isolamento recentemente imposto, estas têm sido as que se revelam mais eficazes na diminuição do contágio e, portanto, de novos números.

Sim
ISOLAMENTO SOCIAL VOLUNTÁRIO (não sair de casa para idas à escola, ao trabalho, ao café, à esplanada, ao cinema, ao centro comercial, etc..)
Casos suspeitos têm de cumprir o período de quarentena de 14 dias
Casos confirmados: quarentena em casa com cuidados acrescidos em relação aos co-habitantes
– lavar regularmente as mãos com água e sabão (cerca de 20seg);
– lavar sempre as mãos depois de se assoar, espirrar, tossir ou após contacto directo com pessoas doentes. Atenção especial às unhas, entre os dedos e aos pulsos;
– Em alternativa, usar gel desinfectante;
– reforçar a lavagem das mãos antes e após a preparação dos alimentos, após o uso da casa de banho e sempre que estas parecerem sujas;
–  Espirrar/ tossir deve ser sempre na direccção do cotovelo – e nunca para as mãos;
– Usar lenços descartáveis e de uso único (“usar e deitar fora”);
– Evitar o contacto com pessoas doentes (ar prostrado, a tossir, espirrar….);

Não
– levar as mãos à cara – olhos, nariz e boca;
– usar máscaras em pessoas saudáveis.
– sair de casa casa para idas à escola, ao trabalho, ao café, à esplanada, ao cinema, ao centro comercial, etc..
– não sair de casa para passeios – motivam comportamentos de grupo semelhantes e facilitam a propagação do vírus através do toque em superfícies inertes
não recorrer – nunca!! – directamente aos serviços de saúde sem contacto prévio com a linha SNS 24 (808 24 24 24)
– não comprar bens essenciais acima do necessário para 1 a 2 semanas de cada vez. Todos vamos precisar.

E o uso de máscaras e gel desinfectante?

O gel desinfectante, é uma alternativa prática caso não haja facilidade em lavar as mãos regularmente.

Relativamente ao uso de máscaras, não há evidência que suporte o uso de máscaras em pessoas saudáveis, pelo que o mesmo é desaconselhado. Na verdade, por ser incómoda leva a que haja muito mais contacto com a região da boca e nariz, precisamente o que não se quer. Por outro lado, promove uma falsa sensação de segurança que pode até descurar o básico da prevenção: a lavagem das mãos e o tossir para o cotovelo.

Assim, o uso de máscaras está aconselhado somente em 3 situações: 1) pessoas com sintomas de infecção respiratória (tosse ou espirro); 2) suspeitos de infeccção por CODI-19; 3) Pessoas que prestem cuidados a suspeitos de infecção por COVID-19.

Caso desenvolva sintomas, o que devo fazer?

O aspecto mais importante reter é que esta se trata, regra geral, de uma doença ligeira e auto-limitada. Contudo, queremos limitar a sua disseminação, pelo que é totalmente desaconselhado o recurso ao Centro de Saúde ou ao Hospital: não só a pessoa corre o risco de efectuar contágio cruzado, como também não estão a ser efectuados testes em todas as unidades de saúde – apenas em locais específicos preparados para o efeito.

Assim, em caso de dúvidas ou aparecimento de sintomas devem ser evitadas as idas ao hospital e ligar para o SNS24: 808 24 24 24 para estratificação do grau de risco e eventual encaminhamento adequado caso tal seja necessário.O auto-isolamento voluntário de cerca de 14 dias é aconselhado (após contacto com o SNS24) para contactos com casos confirmados de COVID-19 e para pessoas regressadas de zonas de transmissão comunitária activa que venham a desenvolver febre ou tosse ou dificuldade respiratória. Esta noção de “auto-isolamento” significa na prática: ficar em casa (evitar idas à escola, trabalho ou locais públicos), evitar uso de transportes públicos e evicção de visitas em casa.

Em que se baseia o tratamento?
Os antibióticos podem ser úteis?

Sendo uma doença viral não há qualquer utilidade na utilização de antibiótico, uma vez que este só devem ser usados para tratamento de infecções provocadas por bactérias. Pelo contrário, a sua utilização desnecessária contribui sim para o potenciar de situações de resistência antibióticos. Por isso, a antibioterapia só tem lugar se neste contexto houver sobre-infeccção bacteriana.

Não há ainda registo de uma vacina contra o coronavírus, embora esteja em estudo.

O tratamento dos casos ligeiros a moderados de COVID-19 é o apelidado “tratamento de sintomas”: repouso, hidratação, uso de anti-piréticos e anti-inflamatórios, vigilância.. 

COVID-19 - é mesmo preciso ter medo3
Os antibióticos não devem ser utilizados para tratamento de infecções estrictamente virais

Então e as minhas viagens??….  tenho de cancelar tudo?

Actualização Março 2020: neste momento são desaconselhadas TODAS as viagens

Neste momento não há exactamente uma “proibição” para as viagens, mas sim uma forte recomendação para que sejam evitadas viagens consideradas “não essenciais” ou “desnecessárias”.

Até à data de redacção deste artigo, a OMS “não recomenda restrições de viagens, comércio ou produtos”. O Portal das Comunidades Portuguesas (MNE) refere que, “nas presentes circunstâncias, desaconselham-se todas as deslocações à Província de Hubei e viagens não essenciais à China. Esta recomendação tem em conta os potenciais riscos para a saúde e as presentes limitações de circulação no país, incluindo ligações aéreas domésticas e internacionais”. Recomenda também “prudência nas viagens a países que se encontram geograficamente próximos da China, que pela sua situação geográfica e condicionalismos locais se encontrem mais susceptíveis a uma disseminação do surto”.

São reforçadas as indicações referida acima sobre higiene das mãos e etiqueta respiratória.

Como posso preparar adequadamente a minha viagem?

É importante ter em atenção as recomendações vigentes no país de destino, que neste momento poderão sofrer alterações com muita rapidez. Isso inclui não apenas o risco de cancelamento dos vistos, como também limitações nas deslocações dentro do próprio país e/ou acesso a monumentos, museus e outros locais de interesse turístico.

Para além disso, destinos habitualmente fora da Europa estão associados a riscos já pouco presentes no nosso velho continente, como é o caso de doenças associadas a água e alimentos contaminados, picada de mosquitos e raiva, entre outros. Assim, é sempre aconselhada a realização 4 a 6 semanas antes da Consulta do Viajante (onde se fala de muito mais do que vacinas….).

E se começar a desenvolver em sintomas em viagem ou quando regressar?

Em viagem, em caso de dúvida devem ser contactos os serviços de saúde locais e as seguradoras, para orientação. Os casos confirmados devem ser referidos à Embaixada.

De acordo com a DGS, “pessoas regressadas de zonas afectadas devem estar atentas ao surgimento de febre, tosse ou eventual dificuldade respiratória. Se surgirem estes sintomas, não se devem deslocar aos serviços de saúde mas sim ligar para o SNS24 – 808 24 24 24 e seguir as orientações que lhes forem dadas”.

Nota final:


As doenças respiratórias são a 3ª causa de morte em Portugal, a seguir às doenças cardiovasculares e doenças oncológicas. A mortalidade é, em geral, mais significativa em indivíduos das faixas etárias mais avançadas e, dentro destes, naqueles que são portadores de doenças crónicas: diabetes mellitus, doenças cardiovasculares ou doenças respiratórias, entre outras.

A prevenção das doenças respiratórias (e restantes) é muito inerente às atitudes e cuidados do dia-a-dia, sendo essencial promover a saúde e prevenir a doença.

Em relação aos nossos filhos, educá-los para crescerem saudáveis e com bons comportamentos a nível pessoal e da comunidade que os envolve. E em relação a nós adultos, potenciar as nossas atitudes para podermos envelhecer saudavelmente.

Adoptar cuidados de higiene e etiqueta respiratória, estilos de vida saudáveis, limitar o consumo de tabaco, ter uma alimentação equilibrada e fazer exercício físico farão muito mais por si e pela sua saúde do que usar uma máscara ou…. morrer de medo do COVID-19.

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No âmbito do plano de contingência, e por forma a evitar deslocações aos Centros de Saúde, estou disponível para a emissão gratuita de receitas médicas via email.
Os pedidos serão avaliados individualmente, com direito a recusa se não forem apropriados. Não serão emitidas mais de 1 embalagem por pessoa. Pedidos incompletos não serão respondidos.

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