#Dia 130 – Razões para voltar

#Dia 130 – Razões para voltar

À entrada do Uber, acabada de chegar à Cidade Maravilhosa, as notícias falam da morte de 11 mil jovens desde o início do ano. 11 mil, em apenas 5 meses! Vítimas da criminalidade ou do crime que a dureza da vida lhes fez cometer. Um número assustador, mais do que o registado em toda a América do Sul ou nos países asiáticos. Na televisão, as novelas só intervalam para falar de homicídios, balas perdidas e corrupção. Não há ficção que possa igualar esta realidade. 50 polícias mortos desde o início do ano. Uma jovem de 17 anos assassinada “só porque sim”, embora tenha cedido o seu telemóvel sem qualquer resistência. Uma moto com dois homens armados a acompanhar um motociclista de passagem, até este largar o veículo e ainda ser alvejado na perna “como lembrança”. Mas não é por isso que vou embora.

Regresso passando por restaurantes cheios, o cheiro a comida caseira, o prato elegantemente servido na mesa. Ao longo de 5 meses dormi em quartos melhores ou piores – por vezes em tendas – mas tive sempre onde dormir. Privei-me muitas vezes de comer fora, optando por cozinhar nos locais onde fiquei alojada. Não sei quantas caixas de ovos terei comprado, quantas omeletes ou ovos mexidos terei feito! Uma tentativa de poupar por forma a gastar noutros desejos ou caprichos, mesmo que esses fossem simplesmente mais uma passagem de autocarro ou mais uma noite num local diferente. Tomo um duche, deixando o suor e a poeira dos trilhos para trás… Identicamente, não faço ideia de quantos quilómetros terei percorrido desde que parti em Janeiro. Hoje tenho uma toalha de algodão, ao invés de uma tolha sintética. É fútil, mas quanta falta me fez uma toalha durante estes meses! Mas, obviamente, não é por estes motivos que vou embora.

Podia continuar e escrever uma lista exaustiva.. e de que serve focar no que não é relevante?

Como todas as viagens, há uma altura que chega o final. É difícil definir esse final, ainda mais difícil é sentar e olhar para trás em retrospetiva. Creio que tantas vezes só damos o verdadeiro valor às coisas quando as perdemos. Assim, ainda não sou capaz de pensar que acabou. Ainda estou aqui, nestas areias de Ipanema, neste calçadão de Copacabana, neste hostel de sotaque cantado. Por isso, escrevo apenas a pensar nas razões que me fazem querer voltar.

Volto porque não poderia por motivo algum perder a graduação da minha irmã. Volto porque é egoísta privar a família da minha presença, assim como eu própria privar-me da sua. Volto porque sinto falta das conversas profundas, dos risos e abraços conhecidos, da sensação de pertença. Volto porque tenho mais vontade e curiosidade em conhecer novas pessoas e redescobrir as antigas do que em alimentar as muitas conversas passageiras e superficiais que inevitavelmente acabam por polvilhar o dia-a-dia de um viajante. Volto porque não sou uma emigrante, nem me vejo a viver em qualquer outro lugar que não em Portugal, embora não consiga abandonar esta paixão de ver o mundo. E, do mesmo modo, volto porque posso reiniciar a minha viagem quando quiser, ao meu ritmo e apenas porque assim o desejo. Volto porque necessito de voltar a ser médica, embora não nos mesmos moldes, embora sem querer voltar ao sistema. Volto porque descobri que posso equilibrar a minha vida profissional com a pessoal, e isso abre-me perspetivas maravilhosas. Volto porque, não sabendo o que guarda o futuro, consigo disfrutar do presente como nunca antes. Volto porque alguns dos motivos que existiam para partir já não existem. Volto porque os meus sonhos deixaram de ter fantasmas. Volto porque ao fim de muitos anos finalmente sinto que voltei a viver a cores.

8 Comments

  1. Adelaide Carvalho

    Querida “miúda/ Drª.”, ainda bem que já sentes a tua vida às cores!
    Quero agradecer-te por tanto que me fizeste viajar mesmo sem sair de casa.

    Mas o mais importante, AGORA RECONHECES O PRESENTE!

    NÃO PARES DE ESCREVER pois tens um mundo de pessoas com vontade de te lerem. Bjo enorme.

  2. Andreia Castro

    Oh Adelaide, muito obrigada por esse comentário… continaurei certamente!! Primeiro porque ficou muito por contar… e depois porque ainda há tanto por ver!! Haverão mais novidades certamente =) Continua a seguir! Beijo enorme*

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