Há largas semanas (terão sido meses?), desde que comecei a pensar mais seriamente nesta ideia louca de largar tudo e ir viajar, que temia o momento que chegou hoje; o momento em que, após uma conversa tranquila com o meu coordenador, teria de comunicar à equipa a minha decisão. Nos últimos dias já tinha tentado, com pezinhos de lã, fazê-lo de forma gradual, mas a ética sobrepunha-se à vontade, e nestas coisas as chefias devem ser as primeiras a saber.
Devido a questões práticas relacionadas com gestão de equipas, com transferências de processos, com dinâmicas de funcionamento e sobretudo com a tentativa de provocar o minimo transtorno nos nossos utentes, a situação foi sendo adiada até esta tarde, aquando da reunião semanal. As “comunicações gerais”, que terminaram com indicações sobre a Consulta do Viajante praticada por uma colega numa unidade da região, serviram o mote perfeito, qual bengala mágica constituída por palavras que encadeiam um discurso que por mais que seja idealizado nunca é fácil de verbalizar. Engoli em seco. Tinha chegado a hora. Acho que olhei para toda a gente. Mas não me lembro de ter olhado para ninguém nos breves minutos em que pedi permissão para falar.
Não sei o que disse, mas deve ter sido mais do mesmo, que nisto os argumentos são sempre escassos, e cada vez que os oiço não sei quem mais tento convencer: se os outros se a mim. “Sou jovem, tenho saúde, tenho alguma estabilidade neste momento. Se não agora, quando?” Provavelmente nunca. Se dificil fosse de compreender, só pedia que aceitassem que todos somos diferentes e temos projectos que nos tornam únicos. E que eu ia perseguir um sonho.
Recordei as palavras do meu coordenador na nossa conversa a sós: a dúvida tira-se caminhando.
Ao silêncio pesado e aos olhares de quem, obviamente, não podia esperar este desfecho, seguiram-se palavras de ânimo que me foram sendo deixadas aos poucos, por cada uma das pessoas com que me cruzei nos momentos seguintes. Estas somaram-se às daquelas que já tinham expressado o seu apoio nas pequenas trocas de palavras que consegui ter, com minima privacidade sobre o assunto. Senti que tinha em mim todos os sonhos do mundo. Ou pelo menos daquele lugar. E, que com o apoio final daquela que é a minha equipa de trabalho, podia finalmente tomar esta decisão em paz.
“ne pas se retourner, s’éloigner un peu plus; il y a la gare, un autre gare et enfim, l’atlantique…”
“Je me demande sur ma route, si mes parents se doutent, que mes larmes ont coulé, mes promesses et l’envie d’avancer”
“seulement croire en ma vie, voir ce qui m’est promis, pourquoi, où et comment, dans ce train que s’éloigne, chaque instant”
“je ne m’enfuis pas. Je vole. comprenez bien: Je vole. sans fumée, sans alcool, je vole, je vole.”