Primeiro estranha-se mas depois vai-se entranhando (a tempo). Fez possui inúmeros terraços, que não fazem jus à vida que há em cada ruela do souk, desde as primeiras horas da manhã até ao cair da noite.
Este é um artigo sobre o que não perder em Fez!
A cidade, pintada nos tons da terra, divide-se “estruturalmente” em 3 partes: a mais central (Fez velha / medina antiga, 789 d.c), a que lhe faz mais fronteira (sec.XIII, onde se encontra o Palácio Real e o Bairro Judeu) e toda a nova periferia, mais moderna (1912-1956 e influência francesa, com avenidas largas embaixadas, universidades, restaurantes e edifícios mais recentes).
Conta-se que Fez poderá ter sido a cidade mais populosa do mundo no séc.XII, sendo declarada capital de Marrocos em 1250 – estatuto que durou até 1912. As suas muralhas foram construídas pelo séc.XI. Tem actualmente cerca de 2 milhões de habitantes, 400 mil dos quais vivem na medina antiga. É a 2ª maior cidade de Marrocos, só ultrapassada por Casablanca, sendo uma das cidades imperiais do país juntamente com Marraquexe, Meknes ou Rabat. A sua Medina é Património Mundial da UNESCO desde 1981, e estima-se a existência de 9 mil ruelas.
Tanneries
Chouara é a maior das quatro tinturarias/curtumes de Fez, e daqui saem as peles tingidas a que os artesãos darão uma nova vida. O cheiro conferido pelo processo, que incluí derivados naturais do amoníaco (obtidos por mistura com excremento de pombo) pode para alguns turistas ser incómodo e pouco apelativo, mas vale a pena o esforço – e, mais não seja, as folhas de hortelã oferecidas no acesso aos terraços facilitam o disfarçar dos cheiros e a observação à distância.
“Subo as escadas lançada porque a expectativa de ver as célebres tinturarias era grande.. Infelizmente, o acesso a este local, para os visitantes, tem de ser por entre (mais uma) loja de couros e outros produtos tradicionais. Da vista desafogada de um e outros tantos terraços surgem as dezenas de tanques grosseiramente alinhados, saltando à vista pelo contraste os vermelhos e laranjas. Homens saltam para o seu interior, mergulhando tecidos e corpos até quase à cintura, tingindo-se quase por igual. Nesta mistura de suor, corantes naturais e outros aditivos (incluindo fezes de pombo…), as infecções devem ser rainhas e, ao baixo preço que se regateia cada produto final pelo souk, pergunto-me quanto ganharão estes homens por hora, dia ou mês de trabalho.”
Souk
É de manhã cedo que chegam os legumes, frutas e as carnes acabadas de vir do matadouro. Homens atarefados montam as suas bancas, as galinhas lançam os últimos suspiros antes de sentir o cutelo e os gatos passeiam-se como se nada fosse. Cada porta do souk, às centenas, vai-se abrindo para mais um dia de vendas e regateios.
São artesãos a trabalhar a tempo inteiro, fiando finos tecidos, martelando ferro entre outros metais, vendendo lamparinas, malas e sapatos de couro, especiarias, perfumes e outros produtos feitos localmente à mão. Os tapetes, ricos em motivos e padrões locais, são um dos expoentes máximos da arte muçulmana que também se vê no detalhe das mesquitas. Encontrá-los a cobrir as paredes dá um aconchego completamente diferente às ruelas.
Por este interminável labirinto, arrisco-me quase a dizer que há pessoas que viverão toda a sua vida no interior do Souk. Aqui há de tudo, e não falta nada (a não ser um pouco de ar, um pouco de espaço, um pouco de calmaria e liberdade). Os artesãos organizam-se em grémios, ou seja, espaços comuns que praticam o mesmo ofício, e aqui vemos as bases da indústria primária e secundária. As tradições atravessam famílias e são transmitidas de avós a filhos e a netos, mergulhando-nos num mundo já perdido em tantos pontos da Europa.
Madraça Bou Inania
Esta Madraça (escola corânica) construída entre 1351 e 1357 serviu de local de alojamento para os seus estudantes, dispondo-se em 2 andares que incluem ainda uma sala de ablução – e integrando portanto uma verdadeira mesquita neste complexo.
Apresenta um pátio de mármore com uma pequena fonte central, sendo as suas paredes ricas em mosaicos marroquinos e estuque trabalhado e umas marcantes colunas de mármore no mihrab – a parte da mesquita que marca a direcção de Meca. Como elemento distintivo tem ainda uma torre com um relógio hidráulico hoje em dia inactivo e que é visível de vários pontos da medina.
Foi na última década alvo de obras de restauro com vista à preservação dos estuques e da grandiosidade da estrutura.
Túmulos Merínidas
Esta é talvez a melhor vista sobre a medina de Fez. Do alto das ruínas dos Túmulos (“Tumbas”) Merinidas é fácil de perceber que não é fácil ter qualquer sentido de orientação nesta cidade e que o Souk se assemelha a um grande emaranhado de casas e ruelas.
Para lá chegar podemos ir a pé (subindo a colina), de táxi ou fazer uma paragem integrada em qualquer excursão que saia para os arredores de Fez.
Este local, do qual só sobram 3 estruturas icónicas, marca o passado da dinastia Merinida como a que se encontrava no controlo de Fez até ao seu declínio por volta de 1465.
Praça Bou Jeloud e a Bob Bou Jeloud ou “Porta Azul”
Uma das entradas mais icónicas da cidade de Fez (são 14 no total!), a Porta Azul dá as boas vindas a todos aqueles que a visitam, ramificando-se em 2 ruas principais que alimentam o souk, os seus habitantes, os seus artesãos e os seus turistas. Por se abrir para uma pequena praceta, é também ponto de encontro e de acesso a uma outra realidade.
A sua construção data somente de 1913, ostentando com uma luz suave ao final do dia um estilo mourisco de influência governativa francesa observável não apenas do solo como de vários terraços da cidade.
As portas do Palácio Real
Com 12 séculos de existência e fundada em 789 por Moulay Idriss (figura icónica da História marroquina, proveniente de uma dinastia de origem árabe), a antiga medina de Fez era o centro administrativo local e é onde ainda hoje em dia se encontram todos os edifícios históricos.
Chegou a ser considerada, no sec.XVI, a cidade mais populosa do mundo (!!), tornando-se capital do país entre 1250 e 1912.
O Palácio Real (um dos cerca de 40 da família real!), com 80 hectares de extensão, tem entrada interdita mas justifica na mesma a visita por estas magníficas portas de bronze ricamente adornadas e pelos seus mosaicos que fazem as delícias dos que ali param para as admirar.
Jardim Jnan Sbil
Sabe bem sair da confusão do Souk e respirar novamente ar fresco, neste jardim que nos faz lembrar a Andaluzia, ou não fossem todas as raízes de uma origem comum: o passado árabe ibérico. Os pontos principais são a avenida de altas palmeiras, as fontes em estrela octagonal e o grande lago com uma pequeno palmeiral no seu centro.
O acesso é gratuito e, por questões de segurança, recomenda-se a visita nas principais horas do dia.
Mesquita e Universidade de Kairaouine
A mais antiga universidade do mundo aparece escondida numa das muitas ruelas do Souk, e se não tivesse sido avisada pelo guia provavelmente não daria por ela. De entrada discreta e acesso proibido a não-muçulmanos, este espaço alberga ainda uma biblioteca e uma das maiores mesquitas do continente africano.
Ela foi edificada por Fatima al-Fihri em 859 d.c, cuja família dedicou a vida e fortuna à criação de um centro de estudos para jovens do mundo árabe. Conta-se que chegou a ter cerca de 8 mil estudantes de diferentes partes da Europa e de África!
Hammam – os banhos tradicionais
Desde públicos a privados,estes banhos são uma verdadeira experiência a ter uma vez na vida durante a ida a Marrocos – seja Fez, Marraquexe ou outra grande cidade. Eu própria os experimentei no Riad onde fiquei hospedada, e podem ler o relato aqui!
Onde comer em Fez
Em Fez fomos regularmente tanto a restaurantes marroquinos como a alguns de estilo mais ocidental. Destaco o Chez Rachid (tradicional, numa zona mais desafogada do souk a que quase me atreveria a chamar de praceta..), o Snack Chrif (com comida local mas também wraps e hamburguers), o Le Tarbouch (também com comida local e óptimas pizzas) ou o La Cave (os legumes grelhados são deliciosos!). O muito aclamado Café Clock fica praticamente ao lado do Snack Chrif e merece uma visita seja de dia ou de noite, no mínimo para um café ou um chá de menta num dos seus muitos terraços, ao mesmo tempo que se disfruta de pequenos concertos, workshops ou tertúlias.
Onde ficar em Fez
Durante a minha estadia fiquei sempre hospedada no Riad Haj Palace. O preço é muito convidativo, o pequeno-almoço super completo, o pessoal atencioso desde o gerente a todos os funcionários, limpo e localizado numa perpendicular às duas principais ruas do Souk. Está a cerca de 6min a pé da “Porta Azul”.
Como chegar a Fez
A zona velha de Fez, considerada o centro histórico e a turisticamente mais apelativa, encontra-se a cerca de 30min de carro do autocarro e é facilmente acessível também por transportes públicos – táxi (cerca de 150 dirhams para os 15Kms de distância) ou autocarro (nº16, 4 dirhams). Este percurso vai atravessar primeiro a zona nova da cidade antes de penetrar na Medina. Tem voos directos a partir de Lisboa mas também Madrid, Sevilha ou Barcelona por exemplo.
A rede ferroviária faz também a ligação Fez-Marraquexe 8 vezes por dia, através da estação “Fez-Ville”. São cerca de 8 horas de viagem, a 250 Dirhams. Casablanca e Tânger ficam cada um a cerca de 4 horas de distância, e Rabat a cerca de 3 horas.
Em termos geográficos, a cidade localiza-se num ponto estratégico que convida a uma viagem que englobe, para norte, as cidades de Chefchouen, Rabat, Tanger ou para sul Vollublis, Izrane, Meknes, as dunas de Merzouga e Marraquexe.