Vida num Cruzeiro – Semanas 7 e 8

Vida num Cruzeiro – Semanas 7 e 8

Quem me conhece bem sabe que adoro musicais, e Wicked não é uma excepção. Esta é a história “prévia” àquilo que conhecemos do Feiticeiro de Oz, onde se explica a origem da Bruxa Má do Leste, do Homem de Lata, do Espantalho, dos sapatos vermelhos de rubi e do próprio Feiticeiro. 


Pelo poder de “empowerment”, Defying Gravity é uma das minhas canções favoritas “de sempre” (que é como quem diz de há pelo menos 12 anos). Nela, ambas as bruxas (amigas do “liceu”) têm uma pequena discussão sobre as decisões que traçam a nossa vida.

Glinda acusa Elphaba de ter sido incorrecta para com o Feiticeiro, ela que sempre idealizou ir ao seu encontro por forma a aprender mais e sobretudo, saber a origem da cor verde da sua pele. Glinda diz-lhe: “you can still be with the wizard, what you’ve worked and waited for, you can have all you’ve ever wanted…”, ao que Elphaba responde já não querer o mesmo por algo ter mudado dentro de si, por não querer seguir as mesmas regras, por não querer viver uma vida submissa e adormecida.

Decide por isso seguir os seus instintos e, como se diz, “dar o salto de fé”. Ela vai desafiar a sua própria gravidade. É daquelas músicas que me arrepiam os pêlos, criam pele de galinha e me fazem cantar (desafinar) pela casa ou no carro. Ela apoia-se na vassoura de madeira e voa pelos céus. Voa alto. Voa sozinha, mas voa livre.


Após uma Passagem de Ano completamente sem graça rodeada de milhares de estranhos e depois numa festa igual a tantas outras, cheguei à conclusão que encontrar aqui alguém é uma questão de sobrevivência.

A bordo, o engate é feroz e tem de ser eficaz. Não há tempo a perder ou espaço para aproximações subtis. Todos os passos de um flirt aceitável são ultrapassados, e não infrequentemente recebi convites para visitar a cabine deste ou daquele (assim vindos do nada), o primeiro logo poucos dias depois da minha chegada.

Percebi rapidamente (isto ainda na segunda ou terceira semana), que não seria fácil fazer amigos por aqui. Nunca pensei que seria tão difícil. Não beber regularmente, não participar em todas as festas, não sair a cada quinze dias na mítica discoteca “Harbour Lights” dos Barbados é assinar uma sentença de morte. E eu senti-me a morrer um bocadinho todos os dias em que não pude embarcar numa excursão, fugir do spa ou passar algum tempo de qualidade com as 3-4 pessoas que conquistaram o meu círculo de amizades. O próprio corpo começou a dar sinal de alarme: estava permanentemente cansada e comecei a comer muito mais (e pior) do que o habitual.


Quando cheguei às 8 semanas desta aventura, pouco tempo depois do Natal, senti que atingi o meu limite e que era a minha altura de partir. Não, não estou “homesick”, que é como quem diz a morrer de saudades de casa – as minhas aventuras já me têm calejado nos meses de ausência. Mas senti que pura e simplesmente já não fazia sentido permanecer aqui. Que estava a nadar contra a corrente. Que como em tudo devemos manter os pés na terra mas que as âncoras, neste caso a grande âncora deste cruzeiro, não nos pode prender a um chão de areias movediças.
Por curiosidade, lancei no Instagram uma sondagem em que perguntava se devia pura e simplesmente vir embora ou arriscar uma oportunidade num outro navio, eventualmente uma companhia americana, com clientes mais propícios às maravilhas da medicina estética. O que resultou daí foi muito mais concreto, surpreendente e intenso do que esperava. Com maioria mais que absoluta, a maior parte dos votos foi a favor de me manter a bordo por mais um mês ou dois. E isso levantou em mim uma reacção de contra-resposta, de repulsa, quase uma indignação. “Mas não percebem que não estou bem aqui?!” – era o que ressoava na minha mente por cada voto metido na caixa que eu, no fundo no fundo, não queria ver preenchida. Mas eu ainda não o sabia – até ao momento. Encarar a minha reacção intrínseca e genuína a esta opinião foi um claro “abre-olhos” para o meu próprio desconforto. Por isso, decidi entregar a minha carta de rescisão. No fundo, não era aquilo que eu queria. Eu queria mesmo era ir embora. Por isso, o meu obrigada pelo efeito que os vossos votos despertou em mim. 


Isto das redes sociais é engraçado. Esta situação mostrou-me como a realidade chega transformada ou deturpada, como só fazemos chegar a informação que queremos ou como queremos. Quem não tem acompanhado estes textos não poderá saber, apenas com as imagens e vídeos quase diários das coisas imensamente “fixes” que tenho feito, a desilusão que esta experiência foi a vários níveis. Mas ainda faltam duas semanas. Daqui a 15 dias completo as 10 semanas a bordo. É tempo de voltar. E é tempo de terminar com um texto positivo. Sim, 15 dias devem chegar. “Não há nada como a nossa casa”, já dizia Dorothy .

St. Marteen
St. Marteen

One comment

  1. Daniela Matinho

    Andreia: Que bom ler a tua sinceridade! Poucos no mundo online somos honestos como tu. E faço tuas as minhas palavras, quando as pessoas só vêem as fotos que publicamos e não leem o que escrevemos, fica difícil entenderem o que vai aqui dentro.
    Beijinhos e bom regresso a casa.

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